O ANDAR DE CIMA

Por: Giovane Luz

Quem mora em apartamento saberá do que estou falando. No andar acima do meu presumo que more uma mulher. Discreta, sem alardes. Não há sinal de festas de arromba, nem de conversas alteradas. Um típico silêncio do convento das Carmelitas. Não há conversas de homem, tampouco gemidos prazerosos.

Mas o silêncio sepulcral é quebrado com um ruído: toc, toc, toc, toc, toc, toc, toc, toc,toc, toc,toc...

Suponho que seja seu sapato de salto alto. Piso laminado dá barulho. Pernas longas, batidas ardentes e pisar decidido. Imagino que more sozinha. Minha cabeça fervilha em pensamentos libertinos de dar inveja a um Marquês de Sade.

Vontade de subir andar acima. Tropeçando nas escadarias. Arrombar a porta e desvendar minha cobiça. Libertar meus desejos. Me atar em pernas aveludadas como uma trepadeira agarra o cipó.

Tenho quase certeza de que é uma mulher...e de salto...

Mulheres de salto não pisam no solo. Flutuam como uma pluma graciosa no orvalho. Seu caminhar é diferente. Mulheres de salto não pisam em brasas. Estão acima do bem e do mal. Agulhadas no solo. Levantam as folhas caídas do outono. Quando elas caminham os homens entram em guerra por elas. O dólar despenca. O trânsito pára, a cidade pára, o mundo pára. Tapetes vermelhos brotam nas ruas só para vê-las passar.

Mulheres de salto calçam o pecado. Vestem a fantasia e instigam desejos carnais até do mais santo beato.

Tudo na vida é sentimento. Às vezes, lá uma vez que outra, a razão pede passagem. E essa razão, mirrada, pequenina, raquítica nos alerta: “vá, suba ao próximo andar, mas pode se esborrachar com o que verá”. E aí eu dou razão à razão. Vá que eu bata na porta e quem atenda seja um xirú com botas de cowboy. Vá que seja um travesti saltitando pela casa, a passos largos. Vá que seja uma idosa arrastando freneticamente seus chinelos de sola de madeira pelos cômodos.

Às vezes é melhor viver de ilusão do que encarar a realidade. Ficarei quietinho. Nutrindo alegremente minhas fantasias até a eternidade, mesmo sabendo que o que me separa do andar de cima são apenas 30 centímetros de concreto.

O BEIJO PERFEITO

Por: Giovane Luz

Sempre tive curiosidade em saber como é o beijo da lésbica. Deve ser a melhor experiência do mundo. O beijo ardente. As línguas se entrelaçando feito cobras enamoradas. O beijo que não espera algo em troca. Que não cobra da toalha molhada em cima da cama. Que não reclama da tampa do vaso erguida. Que não cobra ligação no outro dia. É o beijo que não liga para o futebolzinho com os amigos (vez que outra até bate uma bolinha com eles). É o beijo que se despe de preconceitos. Que quebra tabus. Que trocam confidências de boca em boca. É o beijo do encantamento e da aventura ao céu da boca.

Mas não me venha com beijos da Ângela Rô Rô. Uma Ana Carolina já quebra o galho. E dizem que até a Angelina Jolie já teve casos com outras mulheres. Não sei, mas pagaria até o último centavo do bolso para possuir aqueles lábios carnudos.

Quando tinha treze anos, antes do meu primeiro beijo na boca, treinava dando uns amassos na laranja. E também o punho do meu braço vivia sempre mordido de tanto que eu cravava os caninos. Inventava que era mordida de cachorro.

O primeiro beijo foi horrível. A garota, uns 5 anos mais velha, parecia instrutora de auto-escola: “vai pra lá”, “vem pra cá”, “pára um pouco”.

Mas a vida foi generosa comigo. A prática me permitiu experimentar todos os tipos de lábios. Lábios com batom. Lábios sem batom. Lábios de aparelho. Lábios melados. Lábios cariados. Lábios finos. Lábios carnudos. Lábios de feijoada. Todos foram proveitosos. Não me arrependo de nenhum. Como diz um amigo: “toda a mulher é digna de carinho e atenção”. Eu digo o mesmo para os lábios.

Há um ditado que diz que para o homem ser verdadeiramente pleno e realizado ele precisa de três coisas: plantar uma árvore, escrever um livro e ter filhos.

Eu acrescento um item nesta lista: beijar uma lésbica.

Talvez este seja o segredo da felicidade. O elixir da vida eterna. O passaporte para o paraíso. O nirvana espiritual. E eu continuarei a caminhar com passos firmes, fortes e decididos em busca da redenção e deste beijo perfeito.